1. Em que momento o movimento que pretende proibir um estilo musical, mesmo que em uma vertente, pode esbarrar na censura?
Anna Barros, antes de começar quero agradecer pelo espaço que você e o WSCOM proporcionam, pois tenho visto apenas um lado dessa moeda sendo contada na maioria dos meios de comunicação e é importante que a diversidade de pensamento seja apresentada. Depois, dizer que recuso chamar o PLO 04/2025, de Milanez Neto, de Lei Anti-Oruam, essa expressão está sendo usada para distorcer, tentar esconder o que realmente eles querem é tentar dificultar o verdadeiro debate que está posto. Eu prefiro chamar de Lei Pró-racismo e Pró-censura. É disso que vamos tratar aqui.
O PL também fala em censurar o artista por “desrespeito às autoridades”, “delitos do código penal”, “apologia ao crime” e que “promovem o desrespeito às instituições democráticas”. Quem vai julgar se um ato é crime ou não? O Judiciário e os trâmites do Estado Democrático de Direito ou a Câmara dos Vereadores ou algo criado por eles? Óbvio que devem ser os trâmites do Estado Democrático de Direito, qual coisa abaixo disso é censura, é crime contra a democracia.
Essa lei abre espaço para quando um artista fizer uma crítica contundente a uma autoridade pública ser censurado e não receber recursos públicos. Os atos golpistas do 08 de Janeiro foram atos de total desrespeito às Instituições Democráticas, será que os políticos que defendem essa a Lei Pró-racismo e Pró-censura iriam censurar ou destinar recursos para artistas que construíssem algo contra os criminosos do 08 de janeiro? Percebe o absurdo que envolve limitar, censurar a arte?
O Vereador Milanez vai dizer que venho aqui fazer um debate sobre esse tema ou vai dizer que eu o desrespeito enquanto autoridade ao chamar sua lei de Racista e de Censura e tentar impedir que eu acesse recursos para produzir uma música ou uma poesia sobre essa postura política? Não tenha dúvida que já existem artistas fazendo isso por aí. Essa lei é absurda, quer calar as diferenças.
“Apologia ao crime”, gente, quem deve cuidar disso é a Justiça, não o vereador ou seja lá o que queira criar para cumprir essa tarefa. Lembrem que em 1997 foi expedido mandado de prisão contra Planet Hemp, passaram uma semana presos. O Judiciário brasileiro entendeu que não era apologia ao tráfico, não era apologia ao crime, não era apologia às drogas. O mesmo ocorreu com a Marcha da Maconha, que esse mesmo povo tentou censurar e o STF disse ser liberdade de expressão. Se dependesse do Vereador e sua Lei Pró-racismo e Pró-censura jamais grupos como Planet Hemp e a Marcha da Maconha, a maioria negra e periférica, já que é quem sofre com a perseguição institucional, receberia recursos para sua arte.
Esse absurdo ainda nem é Lei, e já é sobre racismo e censura. Espero que a Câmara não queira ser maior que o Judiciário, não afronte o Estado Democrático de Direito.
2. O grupo que defende a criação da lei é, majoritariamente, o mesmo que defende a liberdade de expressão a todo custo. Como é possível fazer a distinção entre o que pode e o que não pode ser tocado/contratado?
“Os brasileiros não suportam mais falsos protecionistas cujo único resultado é o atraso” – Essa frase é do Ministro Marco Aurélio, quando o STF, em 2011, por unanimidade, julgou a Marcha da Maconha como legal, legítima, por entender ser Liberdade de Expressão.
Dito de outra forma, é urgente acabar com a demagogia na política, com a mentira, com a distorção dos fatos, com a distorção da legislação para favorecer seus valores de direita e extrema direita. Recentemente o Governador de Santa Catarina, Jorginho Melo, censurou o acesso a conteúdo de Paulo Freire pela rede Wi-fi de várias escolas, ele segue a mesma linha ideológica de muitos, o projeto de Milanez Neto e Sargento Neto vai no mesmo sentido, assim como foi defendido por Ricardo Nunes e Kim Kataguiri. Essa é a turma que fala em Liberdade de Expressão, mas da expressão deles, não querem viver com as diferenças, querem usar a força para impor sua expressão.
Você está super certa, Anna, eles vivem em contradição. E fazem isso na cara mais lisa do mundo. É esse mesmo grupo político que quer anistia para os vândalos golpistas do 08 de janeiro. É esse mesmo grupo que diz ser liberdade de expressão ameaçar de morte um Ministro do Supremo, que diz ser liberdade de expressão defender a ditadura, o nazismo e usar seus símbolos, mesmo sendo expressamente um crime definido na Constituição Brasileira.
É a velha cara de pau, o dois pesos e duas medidas, o vai que cola. Um criminoso deve responder por seus crimes, mas não pelo fiscal de posições ideológicas ou meios ilegais, e sim respondendo pelo devido sistema legal, e é absolutamente o oposto do que propõem o PLO do Racismo e da Censura apresentado por Milanez Neto.
3. Em caso de aprovação da lei, quem seria a pessoa/grupo/instituição que poderia ser encarregado de definir se o artista faz ou não apologia a crimes?
Primeiro que eu espero que esse absurdo não seja aprovado. Mas olha, esse bando tá se achando tão empoderado, de certo querem recriar o Departamento de Censura de Diversões Públicas, criado no período da Ditadura Militar. A lei, além de absurda, é ruim, frágil, não fala nem sobre essa questão da regulamentação. Eles sabem que é inconstitucional, estão mais jogando pra galera, confundindo, trazendo temas pesados, usando o medo, distorcendo a realidade e abrindo espaço para gerir os recursos da cultura como bem entendem. Elitizando, querendo controlar o que pode e o que não pode ser dito. Esse povo é do mesmo bando que anos atrás fechou o Ministério da Cultura, mentiu sobre a Lei Rouanet. Criar algo assim, além de censura, é criar um gabinete de corrupção que vai negociar as escondidas para quem vai ou não os recursos da cultura. É tudo uma cortina de fumaça, e não é fumaça do cachimbo da paz do Gabriel Pensador, nem a que vai para cabeça com a turma do Planet Hemp, é a fumaça do ódio contra a cultura popular, do ódio que baba a extrema direita, a fumaça dos que desviam e concentram dinheiro em seus grupinhos. Essa reedição de um órgão, seja como nome do Departamento de Censura de Diversões Públicas, ou qualquer outra forma que queiram chamar, não é citado na lei, não tem nem sombra disso, e mesmo que estivesse, não é legal, seria mais um atentado ao Estado Democrático de Direito.
4. Completando a pergunta anterior, é importante levar em consideração a subjetividade da arte. Como poderá ser feita a distinção do que é o retrato do cenário que o artista vivenciou – predominantemente periférico no caso dos artistas do funk/trap – ou apenas a apologia em si?
Na mesma linha do que venho dizendo, essa distinção é ilegal, dizendo de outra forma, é racismo, é atacar a periferia, é dizer previamente o que é e o que não é crime, focando na periferia, na negritude. Querem condenar previamente, proibir, censurar, isso sem usar os mecanismos existentes no Estado Democrático de Direito. Se algo é crime, devem buscar os caminhos legais, o Judiciário está aí para isso, não fazer apologia ao racismo, não tirar da cartola um órgão, que nem é citado na lei, com características da ditadura militar, para com seus valores dizer quem pode e quem não pode fazer cultura.
5. Espaço livre.
Acabei alongando mais que previsto, mas, diferente do que a direita e a extrema direita querem fazer parecer, o tema é complexo e as perguntas foram muito bem elaboradas. Agradeço mais uma vez pelo espaço e por ter a oportunidade de aprofundar e fazer um contraponto sério diante das distorções típicas desse campo que tenta a todo momento desqualificar o debate.
Que possamos barrar a Lei Pró-racismo e Pró-censura que a Câmara de João Pessoa tenta impor aos artistas da nossa cidade. Avancemos na defesa da democracia!
Parahyba, 06 de março de 2025
Tárcio Teixeira
Produtor Cultural. Assistente Social do Ministério Público da Paraíba. Ativista antiproibicionista. Vice-presidente da Federação PSOL/Rede.
Segue matéria publicada no Portal WSCOM:



